segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Pedras no meio do caminho

A 2ª Conferência Nacional de Juventude, que ocorreu nos dias 9 a 12 de dezembro, em Brasília (DF), foi marcada de muitos acontecimentos que envolveram a má informação a respeito dos assuntos que envolvem a pessoa com deficiência.
Na verdade, já começou pela Conferência Estadual de Juventude, no Guarujá (SP), na qual tive que pagar do próprio bolso uma pousada, pois só ofereceram alojamento em universidades sem acessibilidade.
Já na Conferência Nacional em Brasília, ocorreram alguns constrangimentos e transtornos.
Recebi o e-mail para preenchimento da ficha de inscrição que questionava se o delegado tinha deficiência e se precisava de acompanhante. Preenchi e, nos campos específicos, disse que tenho deficiência (paralisia cerebral), que sou cadeirante e precisava de acompanhante.
Dois dias depois, recebemos uma ligação de Paty Eventos solicitando o envio urgente dos dados da acompanhante, garantindo que haveria hotel com acessibilidade e assegurando que eu e minha acompanhante ficaríamos juntas. Assim o fiz. Enviei os dados imediatamente e ficamos, como todos os demais, aguardando o envio dos dados de passagens e do hotel.
No dia 7, enviaram os dados com meu nome incluído, mas sem a reserva de passagem e hospedagem para minha acompanhante.
Entrei em contato com Juliano Borges, da Assessoria de Juventude de Presidente Prudente, que ligou para a secretaria. Disseram a ele que esperasse até o dia 8 que a passagem chegaria e, se não houvesse lugar no mesmo vôo, eles cancelariam a minha passagem e comprariam as duas juntas. Isso não aconteceu. Na véspera do embarque, que seria às 10h45, eles comunicaram já no fim da tarde que não mandariam a passagem.
Ligamos para várias pessoas envolvidas na organização do evento, na Secretaria e Conselho de Juventude, e algumas dessas pessoas, com desconhecimento total sobre as necessidades das adaptações, disseram absurdos como “Manda ela vir sozinha e pedir ajuda para os colegas delegados”.
Também ouvi um “Sinto muito pelo acontecido. Não existe nada no nosso regimento que assegure o direito a acompanhante. Em nome da presidência, lhe peço desculpa pela sua não participação nessa Conferência”, entre tantos outros absurdos.
Na tentativa de não me deixar fora de uma ação tão importante para o desenvolvimento do país, onde poderíamos mudar e melhorar as condições dos jovens em todos os segmentos quer sejam na inclusão e reconhecimento do grande valor que temos. Os negros, os jovens do campo, os deficientes e toda a diversidade excluída têm muito a contribuir para esse desenvolvimento. Juliano quis pagar a passagem da minha acompanhante. Embora sua atitude demonstre amizade e cidadania, eu não aceitei. Se assim o fizesse, estaria concordando com uma situação que é colocada há anos, onde o deficiente é visto como uma pessoa que precisa e merece viver de assistencialismo. Reforço que não foi a intenção de Juliano. Eu não estaria usufruindo de um direito e as pessoas pouco informadas continuariam a proceder dessa forma.
Agradeci ao Juliano Borges, mas disse que não iria. Inconformado com a situação, Juliano, já tarde da noite, encaminhou um e-mail para Severine Macedo, secretária nacional de Juventude, que imediatamente fez valer meu direito.
No dia seguinte, às 8h45, acordei com uma ligação de Juliano, dizendo que a passagem já estava disponível no site da Conferência. Como não podia ser diferente, foi um sufoco, pois tinha desarrumado parte da mala e ainda estava dormindo. Cheguei atrasada no aeroporto, mas como o avião estava atrasado, tudo deu certo.
Chegando lá, o transporte adaptado não estava disponível. Tive que pedir ajuda para alguém me colocar no ônibus comum e minha cadeira ir no corredor. A acessibilidade no hotel e local do evento não foram encontrados pelos delegados com deficiência. No meu caso, faltou acessibilidade no banheiro para eu escovar os dentes. Minha mãe teve que colocar água no copo e eu cuspir o creme dental na toalha, pois não alcançava a pia. No local do evento, não tinha acesso até o palco onde ocorreu o show, pois havia uma escadaria enorme e os computadores estavam em mesas altas que eu não alcançava. Isso dificulta até mesmo a interação social e a tão discutida inclusão.
Reparamos que faltam olhos atentos para essas questões, que parecem mínimos detalhes que, de tão mínimos, acabam tornando-se imperceptíveis, mas que na vida de uma pessoa com deficiência fazem total diferença e garantem não somente uma participação em um evento de grande porte, como uma simples ida a uma padaria. Precisa-se promover acessibilidade e fazer com que essa participação seja feita de modo digno e de maneira completa, sem constrangimentos, atropelos e sufoco. Está na hora da pessoa com deficiência se tornar algo presente e natural na sociedade, porque é isso que queremos. Somos pessoas! Temos e devemos ser encarados com naturalidade, bem como as nossas necessidades.
A falta desses olhos atentos fez com que a 2ª Conferência de Juventude falhasse em detalhes que já estamos cansados de repetir. Tão cansados que para nós que temos uma deficiência e escrevemos sobre esse assunto, ou até mesmo para quem não tem deficiência, mas acompanha os textos escritos nessa coluna, acaba tornando-se um assunto esgotante. Mas quanto mais vivo e participo ativamente da sociedade, mais percebo quão retrógrados ainda somos nessa questão, e que a informação precisa difundir-se com amplitude e sem restrições de lugares e segmentos.
Só será possível efetivar a inclusão quando as pessoas com deficiência não ficarem restritas a pequenos lugares que tenham o mínimo de acessibilidade. Lugares esses, às vezes, isolados dos demais, dificultando a comunicação e a aproximação das demais pessoas. Isso é exclusão velada, onde o problema é aparentemente resolvido por uma rampa que vai até determinado local do espaço. Saindo dali, a responsabilidade é nossa e de quem está conosco de um segurança, ou até mesmo de alguém que está passando no momento e resolve ajudar.
Isso tudo, por muitas vezes, acaba desanimando-nos e retira o sopro de força e da crença em mudanças.
Porém quando percebo que ainda somos uma minoria onde, em meio a 3 mil jovens, as pessoas com deficiência significavam a pequena parcela de oito pessoas enfrentando essas adversidades, porém sem perder o brilho camuflado na invisibilidade e com potencial enorme e recheados de ideias que possam fazer a diferença, é que surge a súbita força de tirar essas pessoas do anonimato e mostrarmos quem somos e à que viemos.
Um corpo com limitações não pode ser e não é maior do que a capacidade e a inteligência que cada uma das pessoas com deficiência possui. Por isso repito aqui uma frase simples, sempre repetida por uma amiga muito querida: “Não vou me adaptar, não vou me adaptar.”
A sociedade é quem tem que se adaptar a nós. Porque fazemos parte dela, assim como todos os outros jovens que lá estavam lutando por seus ideais com muita fibra e determinação, mostrando que grande parte da juventude não se resume a baladas e futilidade.
Somos complexos, temos desejos de mudanças, sede de renovação. Os jovens com deficiência não fogem a essa regra.
Quem sabe a partir de 2012, meus textos aqui, sejam agraciados com mudanças positivas, e que na próxima Conferência de Juventude, possamos encontrar não oito jovens com deficiência, mas sim uma gama representativa dessas pessoas que mostre e comprove que não somos minoria; que apesar de um corpo com dificuldades, temos uma mente totalmente livre e aberta para renovação.
Enquanto isso não acontece, vou continuar divulgando e protestando contra as falhas que nos envolvem.
Para não dizer que existiram somente falhas na sociedade e no ambiente da Conferência Nacional, que é o nosso tema aqui, finalizo agradecendo e informando que conheci e tive o imenso prazer de discutir e encontrar soluções práticas e efetivas para esses e outros tantos problemas que cercam esse universo. Pessoas interessadíssimas em contribuir para acontecer a verdadeira inclusão, sem nenhum tipo de demagogia ou seguindo alguma regra boba como tantas que vimos por aí. Pessoas realmente abertas e dispostas a ouvir e dialogar com quem realmente sabe e sente cada necessidade: nós, pessoas com deficiência. É o exemplo de Fábio Meirelles Hardman de Castro, coordenador geral de Direitos Humanos, e Severine Macedo, secretária nacional de Juventude. Demonstram-se inteiramente dispostos a corrigir as falhas ali apresentadas.
Segundo Fábio, que começou a se envolver com esse assunto ainda na faculdade, depois de trabalhar numa ONG onde assuntos como acessibilidade e inclusão estavam sempre presentes, ele começou a estudar mais profundamente sobre o assunto e hoje trabalha no MEC (Ministério da Educação) na coordenação geral dos Direitos Humanos, que também desenvolve o mesmo trabalho.
Ele conta que as pessoas com deficiência representam entre 14% e 15% da população brasileira. Sendo assim a nossa participação em eventos como a Conferência Nacional de Juventude, deveria ser de, pelo menos, 150 a 200 pessoas, reivindicando seus direitos por si próprios, sem interferência de terceiros.
Ele cita a frase: “Não fale de nós sem nós”, que é um lema das Políticas Públicas de Juventude, onde o jovem reivindica o direito à voz e opinião sobre assuntos que os envolvam. Deixa ainda um recado aos gestores públicos privados e pessoas com deficiência para que facilitem e garantam essa participação, criando a acessibilidade plena e quebrando toda e qualquer barreira que impeçam essas pessoas de chegarem a esses lugares; que é de direito aos deficientes que não se escondam e não fiquem com medo; que saiam de suas casas para participarem e cobrarem a correção de erros que, muitas vezes, chegam a ser grotescos.
Frisa também a importância que ainda é necessária para que exista GT específico para se discutir as políticas públicas de jovens com deficiência.  Assim como existem os GTs das mulheres, dos LGBTS, dos negros, deveria existir um GT específico para as pessoas com deficiência que, apesar de ser um tema transversal, ainda é muito esquecido e isso dificulta até mesmo a própria discussão sobre direitos humanos. “Precisamos avançar nessa questão nos próximos anos e nas próximas conferências”, diz Fábio.
Já Severine Macedo diz que a pauta do jovem com deficiência vem crescendo muito nos últimos anos; que já existem várias participações desses jovens na Conjuve Óbvio; que em um evento desse porte sempre há problema, a exemplo do que tivemos aqui, como falta de acessibilidade nos ônibus, nos computadores para os jovens cegos e no local onde ocorriam os shows diários. “Por isso precisamos cada vez mais de vocês, puxando nossas orelhas e nos ajudando a corrigir esses erros”, diz Severine.
Diante dessas palavras, sugeri a eles que nas próximas Conferências convidem pessoas com deficiência para participarem da equipe da secretaria, conselho e organização do evento, apontando as adaptações necessárias para o bom andamento, e não somente critiquem as falhas no final do evento. Que nos dêem oportunidades plenas!
Esse é o nosso desejo e tenho certeza que ele ecoará em 2012!