sexta-feira, 29 de julho de 2011

As facetas do preconceito


Nessas férias, vivi tantos momentos. Infelizmente, pude constatar que ainda há muito a ser feito, para se quebrar o preconceito. Saí com muitos amigos. Como a diversidade é grande. Percebemos como o “diferente” ainda  assusta, causa indignação, impotência, em outros raiva; por incrível que pareça vivi tudo isso em um mês.
O que percebi foi que, quando saí com amigos sem deficiência física, a única fonte de olhares diferentes era eu mesma, mas nada que não fosse contornável ou superável.
Outra situação foi quando fomos numa festa e depois num bar, com um grupo  mais diversificado,  com quatro amigos sem deficiência física, um gay e eu, cadeirante. Sim, estranho falar dessa forma, mas é assim que somos classificados... Foi exatamente dessa maneira que ouvi o garçom se referir ao outro para nos atender.
Falando em garçom, também achei graça quando saí com uma amiga, que mora em São Paulo, (tem má formação congênita nos membros inferiores e superiores, ou seja, usa  prótese nas pernas e não tem parte dos dois braços), a mãe dela e  a minha mãe, pedimos água e refrigerante e ela um chope. O garçom nos serviu e o chope botou para a mãe dela, quando ela disse, o a água é minha, o chope é dela, ele ficou tão surpreso, enrolou-se todo para servir e trouxe um canudinho para ela beber o chope, detalhe, ela não precisa do canudinho, ela faz tudo normalmente, inclusive pegar num copo para beber seu chope.
Dias depois fomos numa igreja, num culto de jovens, gostei bastante, pessoal bacana. O curioso foi que um dos jovens que estava pregando ficou tão “sensibilizado”, tão sem saber o que fazer, que ficou atrapalhado na hora de falar. Foi então que entendi que ele queria nos dizer que aqui na terra estamos “infelizes”, mas que lá no céu teremos “asas para voar”. Percebi que ele sentiu uma pena da gente, tadinho; ele só conseguiu enxergar  nossos corpos, nada além disso...  E no momento que ele falava, nos olhando fixamente, uma outra amiga nos ofereceu uma bala, eu toda enrolada com minha coordenação, peguei mas não abri, quando ouvi a pessoa perguntar para minha amiga que não tem as mãos e parte dos braços: ”quer que eu abra pra você?”. Antes de terminar a pergunta, ela já estava levando a bala na boca e ainda me perguntou se eu queria que ela abrisse a minha. Imediatamente tomei “vergonha” e abri a minha, mesmo com dificuldade. Percebi que o “pregador” olhou a cena mas não enxergou, não entendeu que não somos dignas de pena, que não somos seres infelizes aguardando chegar nos céus para voarmos...Voamos aqui!!(hehe)
Como sempre digo, o preconceito é uma praga que denigre a espécie humana. Não foi diferente no hospital onde minha avó ficou internada. Eu e minha mãe fomos passar a tarde com ela, quando chegaram dois enfermeiros para levá-la  a um setor de RX. Percebi que um deles, ao me ver no quarto ficou extremamente irritado, sentiu raiva, pediu para sairmos, para que preparassem minha avó. Fomos para o corredor e nesse momento aconteceu uma coisa muito engraçada, uma enfermeira chegou, pegou na minha cadeira e disse:” O exame é na sala ao lado”. Respondi: “Não sou paciente, estou visitando minha avó, sou cadeirante só, não estou doente!”
Ela ficou tão sem graça, que mal conseguiu pedir desculpa. Voltando ao enfermeiro, que estava profundamente irritado com minha presença, voltou no quarto no final da tarde e meu avô já havia chegado e mais dois parentes, ele perguntou o grau de parentesco de cada visitante, claro que não me perguntou nada, minha mãe que disse, ela é neta. Ele não deu resposta e pediu que meu avô fosse falar com ele  no corredor. Simplesmente solicitou que ele me mandasse sair porque estava tomando muito espaço lá no quarto. Meu avô não sabia o que fazer e falou para minha mãe. Como era um ambiente de hospital, ela não discutiu,  por medo que ele maltratasse minha avó, e simplesmente me chamou pra irmos embora.
 Também fui num jornal no Paraná (não nessas férias) mas o absurdo foi tão grande que vale ser citado. Estávamos divulgando um projeto de inclusão, que participo. Fomos eu, uma outra garota que é desse estado e também faz parte do projeto e o autor do mesmo (que não tem deficiência) e meus pais. Fomos recebidos pelo editor-chefe e após a entrevista ele nos convidou para conhecer a repartição que, para mim, foi maravilhoso, já que curso jornalismo. Na saída, uma das jornalistas (que estava grávida) disse a outro colega: “nossa, que clima pesado, depois que elas saírem, precisamos mandar benzer esse lugar”.  Minha mãe, que tinha ficado para trás, porque ficou conversando com uma estagiária curiosa em entender melhor o nosso dia-a-dia, ouviu.  Ficou sem reação, porque considerava que num lugar de pessoas que trabalham com a noticia, que são consideradas tão cultas, lêem muito, porque a profissão exige, achou que essas pessoas tivessem a visão ampliada. Ela só conseguiu me contar muito tempo depois, porque o choque foi grande .
A resposta que dei à minha mãe é a verdade que carrego. O preconceito está em todas as partes; não tem cor, credo, classe social ou intelectual, não tem forma, não tem cheiro... Ele está impregnado na alma dos frustrados, dos soberbos, dos desavisados, dos ignorantes, dos fúteis, dos miseráveis...  Mas quem sou eu para criticá-los ou ignorá-los, se sabemos que a perfeição não existe?
Estamos aqui para aprender, evoluir, deixar nossa história marcada de maneira positiva, ou não, viver o que Deus preparou para cada um de nós, se Ele me permitiu essa deficiência é porque sabe que sou forte o bastante para assumi-la. Porque o mundo é de Deus, mas Ele empresta aos valentes!
A vida é feita de escolhas. Eu escolhi ser valente, ser feliz! E não há preconceito de  ninguém que vá me derrubar, porque não sou a deficiência, sou Camila Mancini.